sexta-feira, 20 de novembro de 2009

LIBERDADE PARA OS BANTUSTÕES

A ofensiva do Tet transformou a guerra suja dos EUA contra
o Vietnam em estopim para os grandes movimentos de massa de 1968 ,


Os bantustões foram pseudo-estados de base tribal criados pelo regime do apartheid na África do Sul, de forma a manter os negros fora dos bairros e terras brancas, mas suficientemente perto delas para servirem de fontes de mão-de-obra barata. O conceito, no entanto, vem dos primeiros anos do apartheid, mas só nos anos 70 o governo sul-africano deu a "independência" a algumas daquelas terras. O bantustão era território supostamente autônomo, mas na verdade, o governo de minoria branca controlava a movimentação dos negros que só podiam deixá-lo se a economia gerada e portanto controlada pelos brancos necessitasse de mão-de-obra. Para isso, recebiam uma espécie de passaporte.
Qualquer semelhança com o que acontece nos territórios ocupados da Palestina não é mera coincidência.

A proclamação de um Estado palestino de forma unilateral, proposta pela Autoridade Palestina, está despertando atenção em todo o mundo. Se por um lado, a União Européia, os Estados Unidos e outros países imperialistas a rejeitam, muitos são os que a apóiam. Infelizmente, entre os apoiadores, que se apressam em defender qualquer coisa que aparentemente ponha um fim nesse longo martírio dos palestinos e que garanta o título de heróis em suas biografias, estão renomados jornalistas e acadêmicos entre outros defensores dessa causa.

Essa “brilhante” idéia da AP representa uma grande ameaça para a real independência nacional da Palestina. Basta comparar essa proposta com a “independência” proposta durante o regime do Aparthaid , pelo governo de minoria branca sul-africana para resolver os problemas dos negros e garantir sua sobrevivência como minoria dominante. Aliás , a maioria negra sul-africana teve que lutar muito contra a suposta autonomia dos bantustões porque, na prática, significava apenas liberdade para os prisioneiros dentro de suas prisões, monitorados pelo Estado opressor.

Parte do governo sionista de Israel começa, ainda que timidamente, a olhar com simpatia essa proposta da AP porque essa foi, também, a última tentativa que o regime do apartheid na África do Sul lançou mão para tentar sobreviver. Seguindo o raciocínio do seu antecessor, os governantes sionistas de Israel precisam cooptar a elite palestina e suas lideranças. Uma proeza que já conseguiram realizar através da aliança com o governo de Ramallah. Fica faltando a rebelde Gaza para completar esse plano. E aí que está o nó da questão.

Como convencer as lideranças políticas e o povo de Gaza a aceitarem a lógica dos bantustões: fragmentação territorial, enclaves onde ficarão confinado o povo palestino, ou seja, um” lar nacional” administrado por marionetes muito bem remuneradas e obedientes a Israel . Isso seria a legalização do que acontece na Cisjordânia ocupada: submissão da elite governante, que vive em paz com Israel, enquanto este segue roubando suas terras e vai , aos poucos, transformado o povo em reserva de mão-de-obra escrava para os israelenses. A compensação para esse “ bom comportamento” é a permissão para que vivam felizes e livres dentro dos limites impostos pelo muro da segregação.

A AP parece estar defendendo o plano de Israel para a Palestina e as objeções dos EUA e União Européia não passam de teatro ou, como eles mesmos afirmam, são contra porque a proposta é “prematura”. Afinal, ainda precisam domesticar Gaza. Tantas são as idas e vindas do governo sionista de Israel que muitas vezes nos passa a idéia de titubeantes baratas tontas. Na verdade, eles já perceberam há muito tempo que a sobrevivência do Estado judeu sionista está ameaçada. Mas não pelos foguetes caseiros do Hamas, nem pela suposta tecnologia nuclear do Irã, mas pela própria natureza deste estado pária.

À medida que o mundo toma conhecimento das mentiras e dos mitos que protegem o estado sionista, mais e mais pessoas passam a apoiar a luta dos palestinos. O movimento pelo BDS – Boicote, Desinvestimentos e Sanções - a cada dia recebe mais adesões e assusta tanto que o governo israelense já iniciou a repressão sobre as lideranças desse movimento pacífico. O Holocausto judeu como desculpa para as atrocidades contra os palestinos vai perdendo sua força de forma inexorável e até as leis aprovadas em outros países, como o Brasil, que colocam um sinal de igual entre o apoio à causa palestina e o antissemitismo estão sendo vistas como aberrações jurídicas.

Os lutadores e apoiadores sinceros, honestos e conseqüentes da causa palestina, com certeza, admitiriam uma derrota histórica da resistência desse povo, se esse fosse o caso. Mas não é. Existem possibilidades reais de vitória. Em que pese o cansaço de toda uma geração de lutadores, é preciso seguir em frente, abrir espaço para as novas gerações, ampliar a discussão e intensificar a contrapropaganda.

Se a ofensiva do Tet, ataque lançado pelos norte-vietnamitas contra as forças americanas e sul-vietnamitas no dia de ano novo lunar vietnamita, em 31 de janeiro de 1968, transformou a guerra suja dos EUA contra o Vietnam em estopim para os grandes movimentos de massa de 1968 , a luta e a resistência do povo palestino pode se transformar na grande causa da humanidade. Tudo depende do empenho das organizações e partidos que apóiam essa luta.

Há quem coloque como impossibilidade para a formação de um Estado laico, democrático e para todos, a questão do idioma, do fato de o estado sionista ser judeu etc etc. Em primeiro lugar, essa é a única solução viável e justa para os povos que vivem na Palestina Histórica e para os que de lá foram expulsos. Quanto aos idiomas, não há problema nenhum nisso, basta ver o exemplo do Canadá que funciona muito bem com o povo falando dois idiomas. Sobre a questão de Israel ser um estado teocrático, logicamente teria que deixar de sê-lo. Qual é o problema? Quanto ao nome, a lógica poderia ser a tradição. Aquele território foi chamado de Palestina durante quase dois mil anos e parte dele se chama Israel há 61 anos.

Beth Monteiro

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

GAZA, UM CAMPO DE EXTERMÍNIO LENTO



O Dr. Thabet El Masri é diretor da unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Shifa, um hospital público da faixa de Gaza. Em 12 de outubro último, concedeu uma entrevista a Silvia Cattori acerca do aumento do número de bebês nascidos com malformações. Este fenômeno deve ser relacionado com as bombas de fósforo e as munições com urânio empobrecido lançadas em Janeiro de 2009 pelo exército e a força aérea nazi-sionistas.
Silvia Cattori - Em Junho passado, começou a preocupação com o aumento do número de bebês nascidos com malformações. Estamos interessados em conhecer o resultado do estudo realizado sobre este inquietante fenômeno e queremos saber qual a sua avaliação médica. Pode dar-nos informação sobre o relatório de anomalias congênitas pré natais e pós natais constatadas passados dez meses dos ataques sobre Gaza, em termos de número de casos ocorridos e em comparação com os dados de 2008?

Thabet El Masri- Sim, pois eu segui, de forma contínua, o fenômeno do nascimento de bebês com malformação congênita. Registrei o número de bebês nascidos com malformações congênitas em Julho, em Agosto e em Setembro de 2009. Comparei estes dados com os números dos mesmos meses do ano de 2008. Eis os resultados: em Julho de 2009, houve no Hospital Shifa 15 casos desse tipo, contra 10 em 2008; em Agosto de 2009, houve 20 casos, contra 10 em 2008; em Setembro de 2009, 15 bebês nasceram malformados, contra 11 em 2008. O número médio de nascimentos no Hospital Shifa é cerca de 1100 por mês.

Silvia Cattori - Conhecido o relatório, causou muita emoção e inquietude. Imediatamente, muita gente atribuiu o aumento de malformações nos fetos abortados e nos recém-nascidos à utilização, pelo exército israelita, de obuses de fósforo branco. Será assim?

Thabet El Masri: Supomos que sim, mas não podemos confirmar que a utilização de armas químicas por Israel causou este aumento de malformações congênitas.

Silvia Cattori - Os bebês atingidos por malformações congênitas são todos originários de populações vivendo em campos de refugiados, populações particularmente submetidas a bombardeamentos israelitas? De que zonas são as mães?

Thabet El Masri - Os bebês portadores de malformações congênitas vêm de todo o lado da faixa de Gaza. Todavia, metade das mulheres que deram à luz bebês com malformações são originárias do campo de refugiados de Jabaliya.

Silvia Cattori- Na presente situação, que pode fazer para sossegar as mulheres grávidas que estão neste momento muito ansiosas?

Thabet El Masri- Efetivamente, nada. Não há nada que possamos fazer para garantir que os seus bebês serão normais. Como poderíamos nós impedir a presença de substâncias químicas que podem causar defeitos de nascença?

Silvia Cattori - Há em Gaza embriologistas capacitados para fazer testes genéticos?

Thabet El Masri - Infelizmente não estamos equipados para fazer testes genéticos para saber se as anomalias congênitas são devidas a fatores genéticos ou a substâncias químicas. No fim de contas, trata-se de um problema genético e as substâncias químicas podem muito bem ser responsáveis por estas mutações.

Silvia Cattori - Que é feito dos investigadores internacionais que em 2006 recolheram amostras para serem testadas em laboratórios europeus? Houve resultados?

Thabet El Masri - Esse é um grande problema! Se os fatores químicos são responsáveis, isso é muito difícil de provar. Como provar que são os produtos químicos que estão na origem das mutações? Como provar que os israelenses utilizaram substâncias interditas?

Silvia Cattori - Compreendemos que, enquanto médico, o doutor esteja muito preocupado e que, na atual desesperada situação, tenha necessidade de uma ajuda internacional.

Thabet El Masri - Sim. Gostaria de sugerir algo que pudesse ajudar-nos, sem esgotar os nossos limitados recursos financeiros no domínio da pesquisa genética, que precisa de verbas avultadas. Dito de uma forma direta: seria extremamente útil convencer os israelenses a não voltarem a usar armas químicas como fizeram no Inverno passado.

Silvia Cattori- Que tipos de patologias têm observado nos bebês nascidos este Verão? Pode dar-nos exemplos de defeitos de nascença que constatou nesses bebês?

Thabet El Masri - Verificamos problemas do sistema nervoso central, hidrocefalia e anencefalia, e ainda outro tipo de malformações como cardiopatias congênitas e obstruções do tubo digestivo. Os problemas renais são muito freqüentes. As malformações visíveis são raras; os problemas são geralmente internos.
Veja que problemas temos pela frente! As mães ficam sem defesa, nós nem temos resposta para as suas inquietações. Elas sabem que estamos sós nesta situação. Só lhes resta rezar!

Silvia Cattori - Não tem contatos com o exterior?

Thabet El Masri - Não temos absolutamente nenhum contacto com o exterior.
Dei-lhe uma visão geral do problema principal. Como lhe disse, há uma probabilidade de que as substâncias químicas possam ser uma das causas da tendência de aumento de defeitos de nascença, pois estes aumentaram desde o assalto bélico de Dezembro e Janeiro passados. Contudo, esta conclusão é impossível de provar.

Thabet El Masri foi entrevistado pela jornalista suíça Sílvia Cattori

O original em inglês encontra-se em http://www.silviacattori.net/article987.html .